terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Olha o que eu achei! E ó comé que tá!

OLHA O QUE EU ACHEI!
E Ó COMÉ QUE TÁ!

Octávio Marcondes Machado Marchi


Com (siderações) acerca do percurso de uma psicanálise.

Ocupar um lugar é o que se descobre durante o percurso analítico; aliás, uma das descobertas, pois que, também, ocupar o lugar de arqueólogo do saber é se pôr frente àquilo que não se sabe, é descobrir, no processo investigativo, quantos lugares pode-se ocupar na contra-mão do “lugar algum” que uma neurose neuroticamente se apresenta.

Na poltrona como um neo-psicanalista ou no divã como um veterano psicanalisando – registro minhas in-pertinências – a pertença interna mesmo – que as “pró-vocações” – como chamamento endógeno – acerca da Tese de Doutorado: Do Espírito da Coisa: Um Cálculo de Graça, de Karin de Paula, suscitaram.

A memória de Karl Kraus trazida à tona na circulação do Witz na obra citada, faz-me sorrir respeitosamente frente à proposta da autora de que seu ambicioso trabalho seja, antes, “um Witz” do que “sobre um Witz”, e neste caminho, perceber-me um bom neurótico no entre- meio de psicanalista e psicanalisando é, porque não dizer, sentir na pele não a força da contemplação do Witz, mas de ser Witz no universo constitucional de um percurso até aqui caminhado. Dois em um é possível!

DA MONTAGEM DA EQUA-AÇÃO

Sendo a neurose a grande “Equa” sobre a qual sempre estive montado entendo agora que o grande questionamento “Quem sou” e “O que quero” indicam o devir perene como analisando/analista.

Na mesma inquietação (in-quitação) é deixar de ser “gauche na vida” como disse o ilustre Drummond e isto é deixar de estar no impasse entre o que o mundo dita e o “si” mesmo. Ser gauche é ser exceção à regra como disse um ilustre desconhecido meu.
Manter um diálogo interno entre um eu analisando e um eu analista com transferência e contra-transferência tão próximas, quase tão unas, é realmente ter a “peste” e sua recaída. O galope não cessa, não acaba, nem que se queira.
Descobrir, de fato, não é “desfritar o ovo”. É pôr algo lá – um ser no não-ser.
É saber que ser neurótico é ser normal; é saber também que ser mais neurótico, não necessariamente seja ser mais normal; a não ser à guisa de retórica didática na liberdade poética.

É simplesmente saber!
Saber é um verbo que se precisa querer conjugar.

Alexandre Kojève emociona ao comentar Hegel:

“O homem é consciência-de-si. É consciente de si, consciente de sua realidade e de sua dignidade humanas. É nisso que difere essencialmente do animal, que não ultrapassa o nível do simples sentimento de si. O homem toma consciência de si no momento em que – pela primeira vez – diz: “Eu”. Compreender o homem pela compreensão de sua origem é, portanto, compreender a origem do Eu, revelado pela palavra.
O homem contempla o objeto e é absorvido por este e, sendo assim, o homem só pode voltar a si pela via do desejo e isso o constitui”

Ele, que não é o objeto Se percebe como sujeito quando o objeto se lhe revela; ele é, inclusive, oposto ao objeto.
Por esse viés é possível então saber de si, o negativo (daquilo que o sujeito não é) é o constitutivo ontológico do Sujeito.
Aquilo que o objeto é, que não é o Sujeito, se mostra a este pelo seu desejo de saber quem é.
Parafraseando o poeta “eu não sou eu, nem sou o outro; sou qualquer coisa de intermédio...”. Talvez seja aí que nasça a vertente especulativa, a fórmula da “Equação”; a potranca que ao se tornar “Equa” unida à “Ação” jamais parará de correr.

CONSERVA A CONVERSA

COM SERVA E COM VERSA

O diálogo é contínuo. O sintoma da “peste” é o nunca mais parar e diante da servil humildade intelectual é mister reconhecer que esta possibilita a nova versão de/dos fatos do velho simulacro e aí seja possível então inscrever a palavra “na carne, no corpo”

Entender o sentido do diálogo interno (ante às investigações) e do diálogo externo (ante ao processo do talking cure e, este, ante às intervenções) é ter, de fato, a Coisa no Espírito.

Apostar em um caminhar onde os “aquéns” e os “aléns” são desconhecidos, porém acreditados é, nobremente, calcular a graça; calcular o estado dessa graça no percurso da aposta.
Nesta exumação de verdade enterrada viva é possível fazer um estudo do estado necro-neo (a “morte” que dá/devolve vida). Na apropriação a legitimação e nesta, a autorização para novos desenterrares... Um moto perpétuo; ato paganínico.

É a parte submersa do iceberg que se desvenda. E isso me faz pensar: Cura em psicanálise? Como assim?
O Desejo de saber, para um neurótico tem cura?
Curar não seria a perda grande – um perdão – uma perdona (parafraseando um rabino inteligente) da capacidade investigativa? É um cessamento? É um parar?

Anos de psicanálise conferem uma percepção possível de que as atitudes de negação e resistência frente ao trabalho analítico são apostas de percurso, onde o sintoma do “não ter mais nada a falar” denuncia, por si só, que quem está a falar é esse “mais” alguma coisa e desta vez seria aquilo que compreende o “nada”.

Não ter nada a falar é “dizer” que se quer falar deste “nada”; este elemento nomeado de coisa alguma, mas que preenche um espaço, sacia pela desobrigação. No viés do sintoma, na contra-mão da febre psíquica é possível encontrar placas indicativas da mão certa a tomar.

E dói descobrir a auto-dissimulação; à vergonha a que ela nos imputa.
Não é mesmo uma verdade a dor de saber o que queremos fazer da mentira?
Amputar a verdade, imputar a mentira: Somos todos filhos da putatividade, filhos daquilo que aparenta (ou que queremos aparentar) ser verdadeiro?

Onde está o Start and Go?
O que nos mobiliza? O que nos leva? O que nos mantém no caminho do saber; do querer investigar a investigação do investigável? Cada qual comparece com sua riqueza especular; partindo de seu território firme (?)... Um subjetivo deserto de Real.
É no deserto de Real que vamos construir, edificar!
Será a solidão, não só ela, a “experiência mais cotidiana” só do analista?
Aprendo até com a crítica recebida outro dia que versava sobre o sentido que faz para quem tem a escuta por ofício, dar-se ao “desfrute” de uma meditação... Será isso mesmo? Somos tão ignorantes assim? Tão onipotentes assim de imaginar que aprender e apreender tem limites? Isso é estar na contramão mesmo! Porque se ufanar desta mediocridade?

Então o que será essa tal de “solidão do analista”... ”solidão da poltrona”... “Tragicomédia sentada ou deitada”? Não é aprender e apreender com a meditatio?

O setting é laboratório = Labor et Oratio, na total acepção do termo: local onde ocorre uma ascese, um trabalho em forma de oração como exercício contínuo de uma práxis de renúncia ao prazer que nos confere a malemolência, a resistência, o indeferimento, a denegação.

É. Não há festa no céu mesmo! A boca é grande mesmo e a roupa...ah...a roupa...
Parece ser possível celebrar aqui mesmo com o instrumental que se tem e não com o instrumental que se desejaria ter.
Onde fazer a festa? Claro! Naquele terreno bom e fértil do deserto de Real!
Dá para se fazer muitas coisas; construir muitas coisas.
Dá, inclusive, para usar a boca grande não só para comer, mas, para falar, se possível tudo. Especialmente daquilo que não se sabe.

Ah, e a roupa? Que tal ficar nu? Ficar desnudo é comparece com aquilo que se tem; com o mínimo já apropriado que, neste estado de coisas, pra quem se permite, “não é pouca coisa”.
Pensar O Pensar é se deparar com o valor da angústia. Esta amiga aliada pelo simples fato de que em seu bojo há denúncia; por seu avesso de alguma forma, via sintoma, ela aponta para onde está o nó. Re-vela.
Ao olhá-la (a angústia) não é mais possível fixar-se na retórica superficial do que “ela faz comigo”... Mas sim, perpassar e adentrar ao universo do “que faço com aquilo que ela faz (ou deixo-me fazer) comigo”.
É, as cartas não ficam perdidas! Nenhuma!

Todas as cartas cumprem sua missão que é dar o recado, não importando se bom ou ruim. Dar o recado é a primazia. É via carta que se conta algo ou conta tudo daquilo que não se sabe saber.


Contar é o ato ou efeito do contador... que ironia!
Somos enfim conta-dores das quantas-dores no papel de aposta-dores que se autorizam á conta-minação de seu Kapel-Meister Freud – O cria-dor!
É não menos sem dor que se inscreve a Coisa no Espírito!
Eis o cálculo; mais um cálculo! Eis mesmo o Espírito da Coisa: a Coisa no Espírito.
E frente à hipocrisia de uma retórica tendenciosa, que tenta invalidar o percurso de uma psicanálise, há de se ter muita cara de pau lá no setting; algo sugerido em sonho a mim pela mestra;
Refleti...refleti. “Cara de pau lá...” “Cara de pau lá...” Karin de Paula...ah!!
É isso!
É Isso!
Cara de pau lá... é o enfrentamento da aposta!
Karin de Paula... é a viabilizadora da aposta/conquista.

Assim, o improviso é preciso... Improviso é Preciso!
Como diz Karin, é um improviso calculado, um cálculo que só podemos ler a posteriori.
Nada se esgota - Do tema às digressões, passando pelos embates, encontros, frustrações.
Nem o “nada” se esgota. Aliás, ele é o manancial do “tudo”!

Heráclito de Éfeso chamava à atenção para o devir... Eis o devir! Movimento ad aeternun enquanto a pulsão de vida não é estancada no êxito pleno de sua coroação pela pulsão de morte.

Não só o Witz é palavra espirituosa. Toda a palavra o é na medida em que cada uma carrega em si mesma seu quantum de afeto, de recado, de significância; e que ao se deslocar para uma outra palavra, e outra, e mais outra vai conferindo sentido.
Toda a palavra é espirituosa pois que na decodificação da pulsão écom aquela escolhida que se faz Fala.
Me faz lembrar do personagem Cebolinha de Maurício de Souza...
O Cebolinha come acelga....
A sulda e a mulda!

Fazer do non-sense, sense é mesmo dar/encontrar o “new” na jornada do jogo: Da aposta para a conquista!


Paulicéia, 08/12/2008.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976.

Kojéve, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.

Paula, Karin de. Do Espírito da Coisa: Um Cálculo de Graça Sobre o percurso de uma psicanálise. São Paulo: Escuta, 2008.

Roudinesco, E.; Plon, M. (1998). Dicionário de Psicanálise. Trad. De Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

Slemenson, Karin de Paula. $em? Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

Torrinha, Francisco (1939). Dicionário Português Latino. Porto: Domingos Barreira, 1939.


Octávio Marcondes Machado Marchi, Filósofo e Psicanalista.
psicanalise_marcondes@hotmail.com

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