Em um mundo tão virtualizado, onde nos perdemos por horas a fio diante da tela de um computador para, assim, interagir com o exterior...fico a pensar como se dá e no que repercute a perda da capacidade de vivência no real.
É de surpreender as possibilidades que temos de assumir personalidades, sexos, silhuetas, e tudo o mais que a prodigiosa mente possa permitir criar, com um detalhe que faz toda a diferença: a proteção de uma velada identidade por trás da tela de um computador.
Tornamo-nos os seres mais espetaculares do mundo (mundo egóico, claro!). Beleza, cultura, personalidade são, no mínimo, os pontos altos desta sustentada imagem apresentada à guisa de brincadeira; a dificuldade aparece quando temos que ligar a câmera...aí, vira um problema.
Imagino a quantidade de câmeras que “quebram repentinamente” e quantas conexões devem “cair” ao primeiro convite de um papo virtual com a cam. É o virtual atravessado pelo real.
Sob a “secreta” persona, vai-se construindo inúmeras relações, vínculos e afetos, que, a meu entender, satisfazem os egos mais exigentes e criativos de um lado, e os perigosos perversos de outro.
Outro dia, conversando com Gabriela, uma jovem de 15 anos, questionei de que modo eles, os jovens, encaram este tipo de atitude, já que, me parecem, são tão espontâneos e naturais. Não foi minha surpresa quando ela respondeu-me que isso é uma prática, não generalizada, mas super comum hoje em dia, ao que eles dão o nome de FAKE...
Fake????
Como assim, fake?
Pois é, nada mais nada menos do que aquilo que estamos acostumados e já conhecemos muito bem. Por trás da tela, assumo a personalidade de um ídolo e passo a me apresentar para o mundo, como se fosse o próprio. Isso, me parece, requer uma pesquisa muito acurada para saber, literalmente TUDO sobre este “eleito”. Uma mentira verdadeira: Eu, fake do artista “x”, converso com você, fake do artista “y”.
Que tal então saber TUDO sobre eu mesmo e me conhecer melhor? Na real?
Percebi que a relação com o real destes poucos jovens, já que não devo generalizar, está em assumirem que fazem este tipo de jogo, se posso assim dizer, diante do computador, entre eles. Porque, no mais, tudo está pré-concebido e as regras pré-combinadas. È assim que funciona. Mundo da fantasia mesmo.
No sentido mais suave, ou no sentido mais radical...o que é, para nós mesmos, não sermos nós diante do outro, via tela do micro. Porque decido não poder dizer quem sou? Apresentar-me como um sujeito distinto de mim mesmo?
Afinal, eu sei que não sou aquilo que quero parecer ser diante (sem câmera) do outro.
Será que, o que trago comigo, que é meu: minha maneira de ser, minha educação, minha cultura, enfim, meus valores, não servem como elementos constitutivos de novas relações com os quais posso me apresentar e me relacionar com o mundo?
Acredito que, de alguma forma, isto provoque um silêncio interno e uma perda de contato com o real. Nesta fantasia, enquanto viva – no momento em que acontece – estou suprido de estímulos. Quando venho para o real – quando desligo o micro – talvez eu não consiga, ou até mesmo não saiba muito mais interagir com o outro, pois, assim com o micro, desligo também a minha parcela real. Onde fica este exílio ? O que se busca lá?
Texto publicado no Jornal Planeta Águas - Águas de São Pedro em 19/01/2008