quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

IDENTIDADE NO EXÍLIO

IDENTIDADE NO EXÍLIO
Em um mundo tão virtualizado, onde nos perdemos por horas a fio diante da tela de um computador para, assim, interagir com o exterior...fico a pensar como se dá e no que repercute a perda da capacidade de vivência no real.
É de surpreender as possibilidades que temos de assumir personalidades, sexos, silhuetas, e tudo o mais que a prodigiosa mente possa permitir criar, com um detalhe que faz toda a diferença: a proteção de uma velada identidade por trás da tela de um computador.

Tornamo-nos os seres mais espetaculares do mundo (mundo egóico, claro!). Beleza, cultura, personalidade são, no mínimo, os pontos altos desta sustentada imagem apresentada à guisa de brincadeira; a dificuldade aparece quando temos que ligar a câmera...aí, vira um problema.
Imagino a quantidade de câmeras que “quebram repentinamente” e quantas conexões devem “cair” ao primeiro convite de um papo virtual com a cam. É o virtual atravessado pelo real.
Sob a “secreta” persona, vai-se construindo inúmeras relações, vínculos e afetos, que, a meu entender, satisfazem os egos mais exigentes e criativos de um lado, e os perigosos perversos de outro.
Outro dia, conversando com Gabriela, uma jovem de 15 anos, questionei de que modo eles, os jovens, encaram este tipo de atitude, já que, me parecem, são tão espontâneos e naturais. Não foi minha surpresa quando ela respondeu-me que isso é uma prática, não generalizada, mas super comum hoje em dia, ao que eles dão o nome de FAKE...
Fake????
Como assim, fake?
Pois é, nada mais nada menos do que aquilo que estamos acostumados e já conhecemos muito bem. Por trás da tela, assumo a personalidade de um ídolo e passo a me apresentar para o mundo, como se fosse o próprio. Isso, me parece, requer uma pesquisa muito acurada para saber, literalmente TUDO sobre este “eleito”. Uma mentira verdadeira: Eu, fake do artista “x”, converso com você, fake do artista “y”.
Que tal então saber TUDO sobre eu mesmo e me conhecer melhor? Na real?
Percebi que a relação com o real destes poucos jovens, já que não devo generalizar, está em assumirem que fazem este tipo de jogo, se posso assim dizer, diante do computador, entre eles. Porque, no mais, tudo está pré-concebido e as regras pré-combinadas. È assim que funciona. Mundo da fantasia mesmo.
No sentido mais suave, ou no sentido mais radical...o que é, para nós mesmos, não sermos nós diante do outro, via tela do micro. Porque decido não poder dizer quem sou? Apresentar-me como um sujeito distinto de mim mesmo?
Afinal, eu sei que não sou aquilo que quero parecer ser diante (sem câmera) do outro.
Será que, o que trago comigo, que é meu: minha maneira de ser, minha educação, minha cultura, enfim, meus valores, não servem como elementos constitutivos de novas relações com os quais posso me apresentar e me relacionar com o mundo?

Acredito que, de alguma forma, isto provoque um silêncio interno e uma perda de contato com o real. Nesta fantasia, enquanto viva – no momento em que acontece – estou suprido de estímulos. Quando venho para o real – quando desligo o micro – talvez eu não consiga, ou até mesmo não saiba muito mais interagir com o outro, pois, assim com o micro, desligo também a minha parcela real. Onde fica este exílio ? O que se busca lá?

Texto publicado no Jornal Planeta Águas - Águas de São Pedro em 19/01/2008

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

PENSAR "O PENSAR"

Pensar, hoje, o que significa?
E pensar o hoje?
O que é pensar, o que é o pensar? Há diferença?

Parece que a sutil diferença toma lugar comum, e faz-nos tomar um pelo outro.
Talvez pensar "O pensar" seja algo que possibilite, já, um início de aprofundamento, independentemente daquilo que se pensa. Mais forma do que conteúdo, que, a priori, já é um
bom começo.
Minha intenção hoje é pró-vocar e não conceituar. Na melhor acepção da palavra, viabilizar um chamamento para a questão. Problematizá-la.
As questões que nos são caras ou as que nos preocupam (sobretudo estas) como são entendidas e tratadas por nós?
Intrigante é perceber o "quantum" de investimento psíquico existe nos vícios de pensamento e, com isso, as pessoas não se permitem (nem sabem que podem fazê-lo), à aproximação de sua verdadeira e legítima forma de pensar, gerando angústia e frustração.
Assumem, administram, propagam e repetem, numa recôndita ignorância, aquilo que não é próprio de si. Quantos projetos de vida são forjados de modo a sustentar este engodo!

Como diz o poeta, é "passar pela vida e não viver".
Será mais fácil manter o velho mote, sustentando um comodismo, do que legitimar uma atitude própria, assumindo com isso as apostas e os riscos?
Corre-se o risco, de que as coisas dêem certo, não? Riscos que se tornam conquistas.
Penso na dimensão deste questionamento. Penso na formação intelectual das crianças, na implicação dos adolescentes com a sua própria vida e na possibilidade de um adulto poder e querer mudar. Isto é quebrar o processo vicioso... Este mal herdado.
Onde se perdeu, ao longo do tempo a ascese do diálogo, do questionamento, da reflexão que está no bojo do processo de educar?
Segundo a Psicanálise, a capacidade de questionar tem seu lado saudável; é algo que nos mobiliza. Mas, sermos maquininhas de fazer perguntas a esmo, não.
Tudo deve ter um sentido. O pensar, o falar.
A velha frase do "Penso, logo existo", deve nos lembrar deve nos lembrar que temos algo a fazer para além do existir. Não só pensar fora, mas dentro, e, sobretudo, dar sentido a essa existência.
Talvez, a dificuldade seja o aprender a pensar.
Há de se dizer, que muitas das coisas que passamos tempos a criticar no outro, tem mais a ver como nós entendemos este outro, do que ele ser/ter verdadeiramente aquilo que lhes apontamos como defeito. Antes, me incomoda no outro o que provavelmente reconheço em mim mesmo nele, e não suporto.
Quando nos permitimos reconhecer como foi que entendemos os processos de nossa vida (relações, afetos, sentimentos) aí sim, estamos para o epicentro de um sem número de possibilidades de solução das questões que nos angustiam.
Parece-me poder afirmar que, quando cada um reflete sobre seus próriios atos, se percebe e se permite à mudança, desvanece a avaliação crítica do erro em relação ao outro; sendo a recíproca verdadeira, já que este outro também refletindo, se percebe e se permite à mudança.
Questões pessoais, familiares, conjugais, políticas, religiosas... enfim, quantos benefícios não surgiriam por um simples saber pensar.
Se há segredo, este está em saber que existimos e saber que há possibilidades de sermos melhores a cada dia.
Percebem onde nos leva e o que nos possibilita pensar?

Pois é...então... veja lá pra onde isso te leva!
Boa sorte!

Octávio Marcondes Machado Marchi, graduado em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu. Psicanalista pelo Centro de Estudos Psicanalíticos - CEP, atuando na Rede de Atendimento e Membro da Equipe do periódico "#Falo" desde 2006. Consultórios na Pompéia e Liberdade.

Texto publicado no Jornal Planeta Águas (Águas de São Pedro) em 29.12.2007